Pinceladas de uma vida
Tomaz Pelayo nasceu em Santo Tirso, na rua do Norte, hoje, Dr. Oliveira Salazar a 20 de Maio de 1898. Dos anos precoces lhe veio o gosto da pintura.
Descobriu-lhe o engenho Monsenhor Gonçalves da Costa, pároco da vila, que trabalhou para dar ao miúdo talentoso uma educação académica. Assim chegaria Tomaz Pelayo à Escola de Belas Artes do Porto.
A 29 de Setembro de 1919. Em 1923, acabaria o Curso Preparatório, a que se seguiria, logo a 4 de Outubro, a matrícula no Curso Especial de Pintura. Acabá-lo-ia, em 1925, com a média final de Bom. Esta reflectirá – diga-se – o contrapeso negativo das cadeiras teóricas por sobre as altíssimas classificações das provas de nível prático.
A sedução de Paris
Era a Cidade das Luzes pólo da atracção para os artistas. O que fora a Itália, ao séc. XVI , era-o, já na segunda metade do séc. XIX, a metrópole parisiense. Aqui estadeou Tomaz Pelayo de 1925 a 1932. Aprendeu de mestres, como Laurene e Renard. Expôs nos salões de 1927 e 1930, e noutras exposições. Decorou edifícios públicos. Recolheu elogios da imprensa parisiense. Como em 1928 em “L´Ami des Peuples”, de 16 de Novembro: O célebre pintor português Tomaz Pelayo expõe, de 16 a 30 de Novembro, na Galeria Levieil (…), as paisagens e retratos que recolheu nas gargantas do Tarn.
Os amantes de quadros, de coloridos quentes e vivos vão encontrar uma interpretação poderosa da escola espanhola, com toda a gama de contrastes de sombra e luz. O concurso à cadeira de pintura, na Escola de Belas – Artes. De longe lhe vinha o projecto. Alimentara-o, pelo menos, desde 1929. Quatro anos depois, abriram-se-lhes as hipóteses de acesso. Mas este de transposição difícil! Tiveram lugar as provas públicas em 1933. Mas tinha, na circunstância, como opositor à mesma cadeira o conceituado Dórdio Gomes entre outros! E Tomaz Pelayo foi preterido…O dinamismo, já de força centrípeta, do seu carácter interiorizou-se mais e mais. E uma auréola de mistério e de silêncio adensou-se por sobre si. Reacção tardia, de longo, continente e pressionado gemido, o requerimento de 17 de Novembro de 1940: pede que lhe devolvam as provas do concurso…
Entre a arte e o magistério
Ia aliviando as suas dores e apagando as suas mágoas de eremita emparedado no interior do cerrado castelo da sua alma. De lenitivo, a contemplação da paisagem tirsense: a re-criação e transfiguração da mesma nas cores das suas pinceladas vigorosas onde, em ressaca de maré, já sem força o drama se esmaecia; o retrato de silhuetas ensimesmadas, como sombras projectadas de si próprio; o ensino pelas escolas secundárias do país: Porto, Águeda, Lisboa, Braga… De 1957 até à sua morte, fixou-se em Santo Tirso.
Era professor da Escola Secundária Tomaz Pelayo. Sem nunca abandonar a paleta. Que, se o estabelecimento de ensino lhe garantia a subsistência do corpo, da arte se lhe nutria realmente o espírito. E da convivência dos amigos. Que os teve … Como Eduardo Malta – quase da mesma idade e também aluno da Escola de Belas Artes – , o retratista das preferências do mundo elegante… E a trabalhar o surpreenderia – ou quase – a morte. Colheu-o primeiro em forma de aviso: doença súbita, numa Sexta-feira, 12 de Janeiro de 1968, quando leccionava na então Escola Industrial e Comercial de Santo Tirso. E, apesar da solicitude dos amigos, médicos e familiares, iria sucumbir pouco depois, no dia 15, Segunda-feira, pelas 15,30, com 69 anos de idade.
Escola Tomaz Pelayo
A dois de Abril de 1987, o nosso pintor foi oficialmente declarado patrono da Escola Industrial e Comercial de Santo Tirso, onde dedicadamente desempenhara a missão de professor. Precedeu a portaria do Governo uma inquirição, de anos antes, sobre uma alternativa entre quatro possíveis nomes para designação oficial da Escola: Tomaz Pelayo, pintor; Abade Pedrosa, notável arqueólogo; Abade Sousa Maia, também arqueólogo e historiador; e Cidnai, a designação medieva daquele núcleo, donde mais tarde surgiria a vila e cidade de Santo Tirso. A opção consagrou o artista. Mas sem desprimor dos dois arqueólogos ou menosprezo pela roupagem aldeã do nosso Cidnai medievo.
Uma visão retrospectiva e reinterpretativa
Assim que a terra em que os homees per lomgo costume e tempo forom criados, geera huua tall comformidade amtre o seu emtemdimento e ella (…) o sangue e spiritus geerados de taes viamdas, tem huua tall semelhamça amtre ssi, que causa esta comformidade. Alguus outros teverom que esto deçia na semente, no tempo da geeraçom.(…) E assi parece que o sentio Tullio, quamdo veo a dizer: Nos nom somos nados a nos mesmos, porque huua parte de nos tem a terra, e outra os paremtes (…) (Fernão Lopes, Intr. À Crónica de D. João I).Assim o pensava Fernão Lopes.
Assim o sentiu o nosso patrono. Interiorizada na massa do sangue, a paisagem da sua terra acompanhou-o até por longes saídas. Um cordão umbilical que nunca se rompeu! E, através dele, as imagens mesmas do berço continuariam a veicular o alimento da sua inspiração de artista. O solo pátrio não o deixou exilar-se. Acompanhá-lo-á. Transplantou-se Tomaz Pelayo? De qualquer forma, com ele, indivorciada, a terra se deixou ir! Eram os dois uma só carne… Os rios serão os Aves, os mansos e bucólicos de então; os outeiros desafiam os Montes-Córdovas, misteriosos e camilianos; e as gentes serão as do Minho, tão alegres como alérgicas à terapia das contenções e aos convencionalismos da sociedade “très chic” da burguesia.
As procissões cantam, tradicionais, as suas compassadas e monótonas litanias; os anjos lembram os putti que, travessos, brincam em suspensão, com malabarismos circenses, nas colunas torsas das nossas igrejas do sec.XVIII; as catedrais aconchegam-se, émulas, ao calor familiar das nossas ermidas…
Pelayo pinta. Como respira, como se move, como se alimenta… Uma necessidade interior! Pinta porque pinta ! … Tão espontâneo, como redio a teorias de mestres ou a correntes de moda. Há ressaibos do em torno a si? Do que se diz e do que se faz? Teorias sem pé no chão? .Talvez. Mas não está nisso a sua originalidade. Antes, por ser inteiro daqui. Lembra-o, a este fenómeno, um autor:”Toda a sua obra está inspirada na Província que o viu nascer – o Minho – e é ridente, buliçosa e alegre. Nem outra coisa seria de esperar, porquanto, no Minho, a alegria da sua vegetação e das suas paisagens fazem desta província a mais atraente, a mais sugestiva e a mais encantadora de todo o Portugal (…).
Desenhando primorosamente, Tomaz Pelayo aborda a figura com mestria, com delicadeza de traço e segurança técnica. É um retratista de robustas possibilidades que sabe captar, por intermédio da sua arte, a fidelidade sóbria e expressiva dos seus modelos e dos seus temas (…).
Quanto à paisagem, trata-a Tomaz Pelayo com ternura lírica. Que um pintor do Minho, seja dito, é sempre um poeta e um emotivo. E Tomaz Pelayo, que sente bem funda essa beleza alegre e luxuriante da paisagem minhota, transmite-a com emoção ás suas telas, o que lhes dá verdadeira frescura e belas e vibrantes harmonias. No Minho, veste-se a natureza do seu melhor e mais esplendoroso colorido. Por isso, sob o influxo do ambiente edénico em que vive, interpreta Tomaz Pelayo, de forma magistral, a luxúria panteista dessa paisagem, plena de suavidades e de ternuras (…).
É um artista sincero e que, na verdade da sua arte, nos dá a verdade do seu recanto e do seu torrão natal, onde a poesia é de uma eterna certeza” (A. Garibaldi – Asociación Artística Vizcaína Bilbao. Boletín Informativo de Arte, Bilbao, Setembro de 1948, n.º 68, pp. 6-7).